Por falar em putas.
Olho na janela e vejo elas indo e entrando toda hora no hotel... o ritmo é curioso para uma madrugada no meio de semana. Qual a diferença delas que estão ali em baixo ou daquela que acompanha um senhor grisalhos no auge dos seus 23 anos? De relance, penso que essas pelo menos escolhem saber exatamente o valor que estão lucrando utilizando seu corpo (que façam...livre arbítrio, lembra?).
Por outro lado, por que um homem escolhe estar com uma profissional ao invés de alguém que não está enxergando ele como uma carteira (pouco ou muito) recheada? Acredito que as respostas sejam mais simples nesse lado da moeda. O homem é simples, mulher é complicado. Faz parte do equilíbrio do universo que conhecemos.
Não existe motivo único. Único é o momento que levou ele a se entregar para uma desconhecida. É para fazer algo diferente que a patroa oferece em casa. É buscar algo que em casa não se tem (se a esposa é gorda, pega-se uma magra e vice-versa). É falar o que não poderia falar. É não falar e não discutir a relação no momento pós-relax. É satisfazer o ímpeto traidor sem buscar alguém que pode querer destruir com seu relacionamento atual (sim, é possível...já ouvi essa história). Eu poderia continuar essa lista eternamente... cada homem, cada história, um programa diferente.
Se pretendo me matar em pouco tempo....posso aproveitar para fazer as coisas que não faria se não estivesse no fim. O fim revela os desejos íntimos da pessoa. O meu está passando ente minhas coisas preferidas: cocaína, bebidas e sexo.
Tive uma vida sexual bem normal. Não era feio, mas não dava para dizer que eu era um galã de cinema. Ser loiro e ter olhos claros sempre me ajudaram... ainda mais quando ficava um pouco mais bronzeado na praia (pé na África, corzinha fácil). Também nunca tive reclamações sobre o meu... até um elogio que outro ele já recebeu. Sou um cara mediano. Podia não ser feio...mas sempre me achei quando era mais novo. Por isso investi em ser social, ter papo. As duas coisas juntas na faculdade fizeram com que eu me esbaldasse em romances durante a graduação (bons tempos!). Sempre fui curioso e mente aberta: uma, duas, três.... casa de swing, boites, prostíbulos de primeira a última categoria (dependia mais do orçamento do que da vontade). Meninas, mulheres, coroas.... uma noite ou companheiras de travesseiro. Posso dizer que tive uma vida apimentada. Só nunca consegui levar duas mulheres para cama simultaneamente (sem pagar, é claro!)
Desço um pouco do quarto e fico na esquina vendo o movimento.
Uma delas me chama a atenção. Cabelo ruivo, curto, combinando com uma pele branca, talvez pela natureza noturna de sua labuta. Seu vestido é vermelho, por isso me chama a atenção rapidamente. Em volta dela, as outras estão seminuas...de lingerie. Ela parece conservar um pouco de intimidade para o cliente pagante. Logicamente, não é uma garotinha: já aparenta ter vivido um pouco.... talvez seja o ritmo da carreira ou experiência de vida mesmo. Seus sapatos estão gastos e o vestido não tem aquela vivacidade de uma roupa que está na vitrine. Como dizem, é uma roupa de batalha.
Ela observa que estou olhando para ela. Ela sorri. Talvez por curiosidade de eu estar parado ali, ou por ser um provável cliente. A beleza de ser o cliente é que todos sorriem para você... até seus recursos acaberem. Penso: e por que não? Aceno para ela e subimos para meu quarto.
- Você tem nome?
- Depende. Que nome você gostaria que eu tivesse: alguma mulher em especial...
- Não... só foi um pergunta para quebrar o gelo.. como um "olá tudo bem" quando se quer aproximar-se de alguém
- Se você quer quebrar o gelo, meu nome é Alice
- Esse é seu nome real?
- Depende... você quer que seja? Agora eu sou sua, sou como você quiser.
Ela solta um botão de seus vestido.
- Me ajuda?
Vou para trás dela e sinto o perfume. Como está frio, o suor não apagou o aroma. Ele é simples, barato, mas tem um pouco de jasmin e laranja. Toque a fruta comum e da flor da nobreza. Certamente foi uma escolha para agradar a maioria dos gostos. Vou tirando botão a botão, desnudando suas costas... sinto os músculos e a respiração leve, experiente e nada ansiosa de quem não é uma menina do interior recém chegada na cidade par fazer dinheiro.
- Você tem quantos anos?
- Pouco para as histórias que tenho para contar, muito para entender que a vida não é um mar de rosas.
- Dificil ouvir tão belas palavras de uma...
- Puta? Você queria dizer... sou sim e reconheço. Não tenho problemas quanto a isso. Estudo, junto dinheiro... não quero para sempre tal rotina. É um meio para um fim.
Ela em encara com aqueles olhos verdes... me perco neles por um momento antes de continuar a prosa.
- Que interessante... eu sou professor..ou pelo menos era...não sei bem...passei por tanta coisa ultimamente.
- Você é você, ou pelo menos está você nesse momento... não se preocupe em te identificar... eu estou puta, não sou uma.
Neste momento o vestido cai, revelando uma lingerie de departamento... mas nem por isso deixa de valorar o corpo dela. Tem uma tatuagem divida ao meio pela calcinha... uma espécie de flor... acho que uma orquídea. Depois da fala anterior, pulei a parte de perguntar sobre a tattoo e voltei ao "papo cabeça"
- Então quem sou eu?
- Qual é o seu nome?
- [...]
- Esse é você...o resto é para o universo te rotular... esqueça o universo, nem que seja por agora, enquanto está comigo.
A confiança dela chega a ser confortante. Num momento pré suicídio, pode ser perigoso... pode me confundir... posso me apaixonar. Mas essa paixão não seria mais que uma fuga para a merda que quero fazer tempo após ela deixar o meu quarto. Provavelmente ela saberá do que vai ocorrer mais tarde... hotel pode ser barato, mas marcou a entrada dela e provavelmente será a última pessoa a me ver viva, isto é, posso complicar a vida dela. Devo falar com ela? Se eu falar e ela contar ao alguém? Aí saio daqui direto para uma casa de tratamento psiquiátrico... não é a melhor opção.
Mas preciso falar com alguém... poderia ser com ela?
- E se eu não quiser ser mais eu? O que faço?
- Simples... mas nem tanto. Seja o que quiser, basta querer e ficar de peito aberto para a reação do universo.
Nossa, me senti um rato escondido num laboratório depois dessa.
- Ser mim mesmo não tem dado certo ultimamente... nada funciona, tudo que eu planejei foi pro saco.
Nesse momento ela se vira e bota a mão no meu rosto e sussurra ao meu ouvido. Palavras doces, escorrega a mão no meu... Quando uma mulher de acalenta, parece que o mundo fica mais quente... parece que o resto não importa. Está frio, mas ela encosta o seu corpo no meu enquanto busca aquecer-se. O calor humano deve ser a fonte mais incrível que se tem por essas bandas.
Ela tira aos poucos minha roupa...como se não tivesse pressa (apesar que tinha, pois tempo é dinheiro para ela). Seu perfume começa a invadir meus pensamentos e me lembro das paixões perdidas que deixei vida afora. Daquelas que amei sem ser amado, das que me amaram muito e eu nem fiz caso. Do amor correspondido que virou tédio, da paixão que apagou quando o tempo foi retirando seu valor extrínseco. Penso que o amor é algo que não deve ser discutido se existe, se é tangível ou não. O amor faz parte do caos que move o universo, é isso. Ser bom não significa que você encontrará sua cara metade. Nem se procura com afinco por ela, ou deixar de aproveitar os prazeres carnais, muito menos estar com pessoas divertidas enquanto se busca a alma gêmea. Se deparar com seu alfa é como ver dos meteoros colidindo: muitas coisas precisam acontecer para que tal momento fugaz ocorra... ou seja, é uma questão de sorte. Se você encontrou... agradeça e não a perca de vista... tal fenômeno se repetir é quase um milagre (não o católico, mas aquele que vai contra as probabilidades mundanas)
Eu tiro o pouco que falta da roupa dela... sem pressa também (não tenho muito mais para fazer depois que ela for embora, só terminar de vez toda essa novela). Ao abrir o sutiã, sempre passo trabalho com aquela presilha nas costas...as vezes acerto de primeira, as vezes só chamando um técnico de desarme de bombas da polícia. Ela dá um sorriso maroto e me deixa brincar por uns segundos com o aparato.. até retirar e lançá-lo ao chão. Muitas mulheres ficam mais lindas vestidas que nuas.... e esse não era o caso de Alice. O pagante tem um belo bônus nesse momento.
Ela me joga, de leve, na cama.... monta em cima de mim e deixa cair seus cabelos ruivos pelo meu corpo, subindo naturalmente até olhar nos meus olhos com um sorriso. Um segundo depois, vai a direita e busca novamente o meu ouvido para sussurrar. Suas palavras fazem me perder nos sentidos daquela noite fatídica, onde não pensei em quem sou como, como cheguei aqui e até que ponto eu poderia utilizar o futuro no meu vocabulário.
Não pensei em nada, somente em Alice... com quem tive o prazer de estar nessa noite. Ou pela menos nesses 60 minutos. O restante de Chronos, deus esse que ela dominava muito bem, falou de sua faculdade, de sua vida batalhada e de que como aquilo era só um borrão na sua história. Despediu-se de mim com um beijo e pedindo o primeiro cigarro da noite... já que fui seu primeiro cliente daquele turno.
E voltou para onde tinha surrupiado ela, por breves momentos.
Fico deitado na minha cama afundado naquele colchão ruim e heterogêneo. Balançado pela química do prazer realçado por mais uma carreira de pó, e o cigarro cinematográfico no final. Clichê se não fosse eu o ator... por que ninguém quer morrer imitando a arte como ela é.
O dia começa a raiar e a cidade volta a funcionar perfeitamente, sem mim... sem Alice.